Izabelle Torres
Do Correio Braziliense
Pelo menos três projetos em tramitação no Congresso Nacional tentam preservar os mandatos de políticos compradores de votos. Além deles, outros seis chegaram a ser analisados no ano passado, mas foram rejeitados no pacote das proposições inseridas na reforma política. Uma análise do teor das matérias demonstra claramente a intenção dos parlamentares de dificultar o trabalho da Justiça nos processos de cassação de mandatos, criando uma verdadeira barreira entre o crime eleitoral e a punição.
A proposta em fase mais avançada é o projeto de resolução apresentado pelo ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) em 2004, que pretende dar à Câmara a prerrogativa de dar a palavra final sobre a perda de mandato dos congressistas. Na prática, a proposta quer impedir que a decisão de tribunais regionais contra a expedição de diploma de um deputado possa valer antes de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votar a matéria e a Câmara confirmar a decisão. Com isso, os deputados garantiriam tempo suficiente para concluir seus mandatos e ainda poderiam contar com a conivência dos seus pares para adiar a cassação. Apesar da mobilização de setores da sociedade contrários ao projeto, a proposta de Severino Cavalcanti já recebeu parecer favorável do relator, Colbert Marins (PMDB-BA), e está pronta para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
No Senado também há proposição que pretende dificultar a cassação de mandatos. Apresentado pelo senador César Borges (PR-BA) em 2003, o Projeto de Lei 285 quer tornar mais rigoroso o procedimento para anular a expedição de diploma de um parlamentar acusado de comprar votos. A intenção de Borges é a de evitar que a Justiça de primeira instância possa declarar a perda de mandato de um político, antes de o processo ter sido julgado pelo TSE.
Além disso, a proposta pretende criar critérios mais rigorosos para que as denúncias contra políticos sejam aceitas pelo Judiciário. "Meu objetivo é que as brigas políticas das campanhas não cheguem com tanta freqüência à Justiça. É absurdo que muitas vezes se casse um político que ganhou com uma margem de votos enorme à frente do segundo colocado. Temos de criar regras para preservar a vontade popular manifestada nas urnas", defende o autor do projeto. O relator da matéria, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), ainda não proferiu parecer sobre o assunto.
Essa não foi a primeira tentativa de César Borges de criar regras para proteger políticos. Também em 2003, o senador apresentou um projeto de lei que além de exigir o trânsito em julgado dos processos, reduzia o prazo para apresentação de denúncias contra eleitos. Depois de uma campanha popular comandada pelas instituições que compõem o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, Borges desistiu da proposta.
Enquanto alguns parlamentares tentam abertamente trabalhar pelo aperfeiçoamento da impunidade eleitoral, outros se movem de forma mais discreta em pareceres e emendas a projetos. É o caso do senador José Jorge (DEM-PE), relator do Projeto de Lei 390, de autoria do peemedebista Renan Calheiros (AL). Ao analisar o texto original — que objetivava tornar possível o afastamento da candidatura de um político condenado em primeira ou última instância – o relator modificou diversos dispositivos previstos na proposição. Entre as mudanças está a determinação de que a proibição de candidatura somente pode ser realizada se a decisão tiver sido proferida pelo TSE.
Na avaliação do presidente do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), juiz Marlon Reis, apesar de aparentar uma simples mudança na formatação do texto, a proposição do relator deve possibilitar que os processos contra parlamentares tramitem por anos, sem que haja qualquer decisão. "Da forma como o relator colocou, os candidatos podem contar com diversas instâncias para recorrer e protelar o fim das ações. Não se pode negar que haja projetos bons, que aperfeiçoem de fato a lei. Mas até desses temos receio, pois podem ser emendados a qualquer tempo na Câmara ou no Senado e ganhar um texto completamente diferente", opinou.