* Presidente do STF anulou ações de ‘improbidade’ no Proer
*Num dos processos, ex-ministros haviam sido condenados
*Decisão livra acusados de ‘ressarcir’ R$ 300 milhões ao Tesouro
Na terça-feira (22) da semana passada, véspera de assumir a cadeira de presidente do STF, o ministro Gilmar Mendes julgou um processo que repousava sobre sua mesa havia mais de dois anos. A causa envolvia duas ações judiciais contra ex-ministros do governo FHC. Entre eles José Serra (Planejamento e Saúde), Pedro Malan (Fazenda) e Pedro Parente (Casa Civil).
Gilmar Mendes, ele próprio um ex-ministro da gestão tucana (Advocacia-Geral da União), mandou ao arquivo o par de ações que pesavam sobre os ombros dos ex-colegas de governo. Escorou-se num precedente aberto noutra sentença do Supremo. Sentença da lavra de Nelson Jobim, outro ex-ministro de FHC (Justiça), que passou pelo STF antes de assumir, sob Lula, o ministério da Defesa.
Nas ações que Gilmar Mendes anulou, os ex-integrantes do governo tucano figuravam como réus por suposta prática de improbidade administrativa.
O Ministério Público acusara-os, em 2002, de patrocinar atos lesivos às arcas do Tesouro. Os processos remetiam a fatos antigos, ocorridos em 1995, nas pegadas do Plano Real. Ocasião em que o governo editou o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional).
Deu-se o seguinte:
1. O Ministério Público ajuizara as duas ações em escaninhos distintos: uma foi à 20ª Vara Federal de Brasília. A outra, à 22ª Vara.
2. No primeiro processo, Serra, Malan, Parente, ex-presidentes e ex-diretores do Banco Central foram acusados de autorizar indevidamente o erário a bancar o pagamento de até R$ 5 mil, a título de ressarcimento, aos correntistas de três casas bancárias que amargaram intervenção do BC: Econômico, Mercantil e Comercial de São Paulo. Utilizaram-se recursos das reservas monetárias do Tesouro. Providência que, na visão da Procuradoria da República, não poderia ter sido adotada “sem prévia autorização” do Senado;
3. No segundo processo, o Ministério Público considerara ilegal o socorro financeiro do BC a dois bancos alcançados pelo Proer: Econômico e Bamerindus. De acordo com as cifras da época, a intervenção nessas duas instituições custara ao Tesouro R$ 2,975 bilhões. Além de Serra, Malan e Parente, foram ao banco de réus três ex-presidentes do BC: Gustavo Loyola, Francisco Lopes e Gustavo Franco.
4. Em 11 de abril de 2002, conforme já fora noticiado aqui , Serra, Malan e Parente amargaram uma condenação no primeiro processo, aquele que tratava do ressarcimento dos correntistas de bancos sob intervenção. Cada acusado foi sentenciado a devolver à Viúva R$ 200 milhões.Hoje, submetida a atualizações monetárias, a cifra roça a casa dos R$ 300 milhões;
5. À época da condenação, Serra era prefeito de São Paulo. Preparava-se para anunciar a disposição de concorrer ao governo do Estado. Inconformados, os réus recorreram ao STF. Pediram a anulação dos dois processos, um deles ainda pendente de julgamento. No texto do recurso, invocou-se decisão anterior do Supremo. O tribunal havia anulado uma condenação imposta a outro ministro de FHC, Ronaldo Srdenberg (Assuntos Estratégicos), hoje presidente da Anatel;
6. A Justiça condenara Sardenberg a ressarcir despesas relativas ao uso de jatinhos da FAB em viagens de turismo. Coube a Nelson Jobim julgar o caso no Supremo. O ministro sustentara a tese de que a lei de improbidade administrativa, invocada para condenar Sardenberg, não podia ser aplicada contra “agentes políticos”. Um ministro de Estado só poderia ser julgado por “crime de responsabilidade”;
7. Quando processados por improbidade, os ministros são julgados por juízes comuns, da primeira instância do Judiciário. Enquadrados por “crime de responsabilidade”, como queria Jobim, ganhavam automaticamente o privilégio de foro. Ou seja, só poderiam ser julgados pelo STF. Guiando-se por esse raciocínio, Jobim anulara a condenação que havia sido imposta ao ex-colega Ronaldo Sardenberg;
8. Os recursos referentes aos processos do Proer foram parar, por sorteio, na mesa de Gilmar Mendes. De saída, ele concedeu uma liminar, sustando a condenação que havia sido imposta a Serra, Malan e Parente até que o processo fosse julgado no mérito, em termos definitivos;
9. O julgamento do mérito veio há uma semana. Mencionando expressamente o precedente criado pela sentença de Jobim, Gilmar Mendes determinou o arquivamento também das ações de improbidade contra as autoridades que conduziram o Proer. Em sua decisão, o novo presidente do STF anota que, na ação que já havia resultado em condenação dos ex-ministros, era preciso levar em conta um detalhe: “os efeitos de tais sanções em muito ultrapassam o interesse individual dos ministros envolvidos.” Lembra que a condenação impunha responsabilidade “individual de quase R$ 300 milhões”. Algo que, por si só, demonstra “o absurdo do que se está a discutir.”
10. A decisão de Gilmar Mendes, justa ou injusta, abre caminho para a anulação de mais de 10 mil processos judiciais. São ações de improbidade movidas contra autoridades federais, estaduais e municipais. Estão submetidas ao julgamento de juízes de primeiro grau. Consagrado o princípio de que “agentes políticos” devem ser processados não por improbidade, mas por crime de responsabilidade, ex-ministros, ex-governadores e ex-prefeitos podem agora invocar o direito a foro especial –os Tribunais de Justiça, para prefeitos; o STJ, para governadores; ou o STF, para ministros. Embora tenha sido sacramentada há uma semana, a sentença de Gilmar Mendes só ganhou a página mantida pelo STF na internet nesta segunda (28).
Fonte:Blog do Josias